Meu pai, um amor de pessoa

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Abri os olhos para essa vida num mês de janeiro do século passado (aff!), aquariana levada da breca, cercada de anjos curiosos e querubins nada chatos que decretaram que eu ia ser “meio certa e errada assim, mas iria até o fim...”

Minha mãe desde o início da gestação teve que fazer muito repouso, porque a gravidez era de risco. (Agora escrevendo esse texto e pensando com a batida do coração, ela foi a primeira pessoa que acreditou em mim.)

Nasci em Teresópolis, em um sobrado da casa da Tia Maria, mãe da minha futura dinda, Marisa. Uma pequena casa de cama, quarto e muitas histórias. Janela com vista para o bairro da Tijuca.

Pelas mãos do Dr. Waldir Barbosa Moreira, a torcida do seu Zé Francisco (meu pai) e de meus irmãos Zé Carlos e Paulo, dei o ar da graça, com chorinho incentivado pelo tradicional tapinha no bumbum para checar os sentidos vitais. Percebi que tinha mais um monte de gente invisível e bem-humorada para me dar as boas vindas. (E eu devo ter piscado o olho em retribuição e voltado a dormir bem gostoso, dessa vez embalada no colo de mãe.) 

Do quintal, ecoavam sons e movimentos. Pássaros, gatos, cachorros, vento batendo nas folhas do (quem sabe!) centenário pé de jabuticaba (que deve ter nascido junto com o mundo) e também nos mais babies pés de laranja e mexerica.

No horizonte, todas as luzes da manhã que também nascia e se transformaria em um domingo ensolarado.

Os primeiros 4/5 anos foram vividos nesta casa. Sobrado bem antigo de marcas e histórias em cada parede e móveis, na certa feitos pelo meu pai. A sombra das árvores protegia o meu sono de bebê. Arrumadinha em macios panos que eram lavados e estendidos no quaradouro (quem já ouviu falar nisso?), é bem provável que algum duende das árvores me sussurrasse histórias. Nas poucas fotos de minha meninice, parecia estar atenta a alguma história e torcendo por um final feliz.

Meu pai melhorou de vida. Construiu casa própria.  Lá cresci, brinquei muito, colhi morangos silvestres e aprendi a ler, escrever, prosear muito e sonhar acordada, muitas vezes acompanhada apenas do som do coaxar dos sapos. (Perto da casa nova tinha um brejo!)

Tive mestres capazes, sensíveis e generosos. Se não aprendi as lições necessárias, o fato deve-se a minha consumada, gigantesca curiosidade que não me deixava fazer a mesma tarefa por mais de 15 minutos.

Na minha infância, faziam-se bolos e uma grande variedade de doces em casa. (Minha avó Dicimilia de Mello fazia compotas – laranja da terra, abóbora, mamão, goiaba... que até hoje minha memória afetiva não me deixa esquecer o sabor!)

Faziam-se roupas também. Hoje, assim que acordei, lembrei de um bolo inesquecível de aniversário, feito pela minha dinda Aparecida, não sei se na minha festa de seis ou sete anos.  Era um bolo quadradão, que queria reproduzir o cenário de um jardim. A grama era feita de coco tingido de verde. O detalhe que mais me lembro deste bolo era um pocinho de chocolate, com baldinho feito de papel prateado (provavelmente um aproveitamento de algum maço de cigarro). Junto ao poço, uma fadinha com elegante vestido feito à mão por dona Jurema, costureira de mão cheia que era vizinha da Tia Pimpinha, mãe da Marilene, do Ronaldo e do Renato, primos que eu curtia bastante!

Muitas vezes, lembro desse niver do passado e lanço um pedido ao “meu” poço, que minha imaginação sem limites me fez logo entender que se pedisse algo, seria atendida.

Neste aniversário, ganhei de outra madrinha (essa de consagração), Delair, um vestido curto de veludo cotelê azul, de manga comprida. Esse vestido era tão quentinho (sempre fui friorenta!), charmoso e eu me sentia bem poderosa envolvida nele, quando ia em alguma festa ou simplesmente para tomar um sorvete de pistache na Italiana, um restaurante que ficava em uma rua que mais parecia uma passarela: Parque Regadas.

Eu achava que todas as meninas da rua ficavam babando no meu vestido. Mas elas não tinham um vestido azul como o meu. Não tinham umas dindas tão carinhosas como as minhas. Não tinham um pai artista e arteiro como o meu. Não tinham a vó que fazia delícias e deixava à vista sobre uma mesa grandona e não sabiam inventar histórias com brilho nos olhos.

Nasci cercada de simplicidade, mas coberta de mimos, como dizia a minha mãe. Ensinaram-me a gostar de ouvir histórias e recontá-las do meu jeitinho, a ser generosa com os amigos, a cultivar a alegria através de aventuras inusitadas e gestos espontâneos, a ser perseverante com os meus desejos, a teimar quando queria muito alguma coisa, a achar graça na singularidade do dia-a-dia, a olhar o meu pequeno mundo com curiosidade infinita. Dotes que prevaleceram pela vida a fora e me nortearam nas minhas escolhas profissionais e pessoais.

De lá pra cá, muitas pessoas acreditaram em mim, muitas empreitadas foram vencidas e continuo com a sorte de ter um filho de bem com a vida, um marido que chega junto e amigos que de tão especiais, nem precisam de adjetivos.

Em profundo momento saudade pela falta do meu pai, (hoje se somam 12 anos sem o seu “E daí?” ao vivo e em cores), celebro sua passagem por essa vida que foi trilhada com tanta riqueza de humanidade, lembrando singularidades da minha infância, como forma de dividir com vocês algo que meu amado pai me deixou de legado: buscar o sentido da vida dando sentido às minhas histórias de vida.

Sorriso que abria todas as portas e janelas.

 

 

 

 

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