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Nestes meados de setembro, estava eu voltando de uma reunião em meio ao caótico zigue-zague de carros que poluíam um avermelhado entardecer paulistano, quando meu carro enfileirou ao lado de uma van escolar. Lá de dentro, uma menininha de não mais que 4 primaveras me olhou nos olhos. Uma criança linda!
Minha primeira reação e ação foi acenar. Como ela não retribuiu, embora ainda me olhasse, segui balançando a mão pra lá e pra cá. A cada metro que andávamos e parávamos, eu insistia no aceno mas ela não estava nem aí, nem se mexia... emoldurada com um fone que mais se parecia com dois biscoitos gigantes e recheados.
Enquanto continuava lhe acenando com um sorriso, fiquei me perguntando o que poderia estar escutando num fone, uma menininha tão “na flor da idade”, como dizia minha mãe...
E bastou lembrar dessa expressão materna para minha mente começar a desenrolar o novelo das lembranças da minha infância.
O grande barato de sair de carro com meu pai era justamente ir sentada no banco traseiro, com a janela aberta, dando tchau para todo mundo, curtindo muito quando as pessoas retribuíam e quando isso não acontecia, eu ficava extremamente chateada! Ainda bem que a maioria das pessoas dos carros de trás acenavam, compromisso que assumiam enquanto os carros seguiam no mesmo destino. E a cada tchau correspondido, eu me esbaldava de tanto rir.
(Claro que também rolavam inventivas caretas quando eu não ia com a cara de algumas pessoas ou quem sabe, detectava alguma energia estranha, vá saber... Mas era um gesto espontâneo, uma brincadeira despretensiosa bem gostosa.)
Mas voltando ao setembro de 2017, a menina da van não retribuiu o meu aceno. Realidade nua e crua, em nenhum momento esboçou sequer meio sorriso. Deve ter sido orientada que não deveria em hipótese alguma olhar ou falar com estranhos.
No meu tempo de Opala, em Teresópolis, era diferente:
- Cumprimenta o fulano, Sandra. Venha se despedir da senhora tal. Dá tchau pro carteiro.
Sinceridade? Fiquei com pena dessa criança. E com saudades da menina Sandra Mello, dos tempos em que trocar atitudes de gentileza era lugar comum e sair de carro tinha sabor de aventura. Às vezes íamos com os amigos fazendo farra na mala do carro, ninguém tinha insulfilme, mas tínhamos a proteção da Alegria divina.
Eu era bem extrovertida, não tinha medo de pessoas, gostava de abraçar, dar 3 beijinhos e torcia para o sinal fechar só para o meu pai parar o carro e poder acenar para as pessoas.
Segui meu caminho.
Curiosa que só, ficarei sem saber o que escutava a menininha, mas continuarei passando por todas as crianças, brincando com elas e acenando como sempre fiz.
Não vejo a menor graça ninguém, de qualquer idade, se locomover de carro, ônibus, trem, avião ou o que quer que seja com os olhos grudados no celular, computador ou tablete; a graça é apreciar o que se passa, quem passa e imaginar novas histórias. Faz tão bem interagir com personagens reais, receptivos aos acenos, sorrisos e piscadas de olho.
Começo a achar que meus pais estavam certos quando já falavam em tempos passados, “que viver era mais espontâneo e gostoso, antigamente...”
Fico imaginando que histórias essas crianças vão ter para contar.
Criança precisa brincar, interagir, acenar, fazer careta para tomar gosto com a vida e aprender a contar muitas histórias bem contadas.